domingo, 27 de janeiro de 2008

Calar ou morrer

Matéria publicada na Revista Paulista: Viração


A primeira agressão aconteceu em um sábado, 26 de maio deste ano। Depois de ter participado durante todo o dia de um curso promovido pela Escola Quilombo dos Palmares (Equipe), Átila se dirigia para a casa quando percebeu que um carro o seguia। “Eu tomei a iniciativa de dar tudo o que tinha no momento, querendo acreditar que se tratava de um assalto”, lembra. Átila foi agredido com socos no estômago até não mais conseguir permanecer em pé.

No dia 17 de maio de 2005, uma operação da Polícia Federal (PF), no Estado de Alagoas, desbaratou uma quadrilha formada por prefeitos, secretários municipais, ex-prefeitos, ex-secretários e um deputado estadual, que atuava no desvio de recursos da educação, especificamente daqueles destinados à compra da merenda escolar. Dois anos se passaram e nenhum dos envolvidos foi julgado. Todos permanecem em liberdade. Os prefeitos, presos ou indiciados na época, não chegaram a ser investigados e ainda não há previsão sobre a data de julgamento do caso, cujo processo encontra-se no Ministério Público Federal (MPF) da 5ª Região, em Recife (PE).

As histórias acima são verídicas e transformaram a vida de Átila Vieira Correia. Segundo ele, os grampos feitos pela PF revelaram o envolvimento da quadrilha com exploração sexual, de maneira que cada autoridade que aderia ao esquema recebia uma adolescente como “prenda sexual”. Membro da coordenação do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em Alagoas, e militante há dez anos, Átila foi o responsável pelas denúncias desta ligação, feitas ao Ministério Público Estadual (MPE) de Alagoas, à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e à imprensa. Ele já foi vítima de dois espancamentos e tem sido constantemente ameaçado. “É um eterno medo”, desabafa.

A PF se negou, na ocasião, a investigar as denúncias de exploração sexual com o argumento de que o foco das investigações era o desvio de recursos destinados à merenda escolar. Por esta razão, Átila solicitou ao MPE que fossem requisitadas as cópias das fitas contendo os grampos telefônicos, para tomar as devidas providências. “Fomos recebidos pessoalmente pelo Procurador-Geral de Justiça, o senhor Coaracy Fonseca, que se comprometeu, na época, a designar um procurador específico para apurar o caso. Apesar das cobranças, inclusive pelos meios de comunicação, nunca obtivemos uma só resposta do MP alagoano sobre o caso”, conta. Procurado pela Vira, Coaracy se pronunciou através de sua assessoria: “O que o senhor Coaracy Fonseca tem a dizer é que ele está aguardando as peças, referentes à denúncia, do então desembargador Marcelo Navarro, e que, até agora não obteve resposta”. Marcelo Navarro afirma desconhecer o caso. Em resposta a esta afirmação, o MP alagoano disponibilizou uma cópia do ofício referente à solicitação, enviado ao desembargador em 16 de junho de 2005.

Segundo a Promotora de Justiça, Doutora Marluce Falcão, integrante do Grupo de Combate às Organizações Criminosas (GCOC) e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do MP de Alagoas, foram solicitadas informações à Procuradoria Regional Federal sobre supostos crimes envolvendo exploração sexual em Alagoas. Ela diz ter solicitado, inclusive, as gravações que conteriam as provas dos crimes. Entretanto, até hoje não recebeu resposta alguma.

CEMITÉRIO CLANDESTINO
Átila conta que começou a receber ligações anônimas depois de dar uma entrevista para o Jornal da Manhã, da TV Pajuçara. Nesta ocasião, além da Operação Gabiru, Átila tornou público outro caso de exploração sexual no Estado. Desta vez, envolveu o proprietário de uma das mais tradicionais redes de prostituição da capital, Maceió, que, durante muitos anos, fora repórter policial, sendo, segundo Átila, uma pessoa influente, já que prestara serviços a autoridades do Estado. “Tornei pública essa informação, que durante anos circulou nos corredores e nas conversas informais, e que dava conta da existência de um cemitério clandestino nos fundos deste prostíbulo, onde eram enterrados fetos provenientes dos abortos a que eram submetidas as mulheres e adolescentes exploradas sexualmente”, revela.

Este jovem cidadão, hoje com 30 anos, pede justiça, acima de sua própria vida. “Nós pensamos na possibilidade de oferecer proteção policial, mas ele não quer. O que ele quer é que essas denúncias sejam apuradas e os processos instaurados”, conta Estela Guerrini, coordenadora-geral do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR). Ela explica que foram encaminhados ofícios a algumas autoridades, como por exemplo, o Ministério Público e a Secretaria de Defesa Social de Alagoas, solicitando mais informações sobre o andamento das denúncias, porém, até o momento, não há resposta a nenhum deles. “Apurar as denúncias também é uma forma de proteger o defensor, porque deixa claro que os criminosos não vão ficar impunes”, conclui.

Quando questionado sobre a possibilidade de abandonar a militância, Átila reproduz um trecho de um dos supostos grampos feitos pela Polícia Federal, que mostra uma conversa entre um cafetão, que prestava serviços à quadrilha, e uma das autoridades denunciadas:

“Cafetão: - Eu já arrumei a menina para o senhor! Autoridade: - Quantos anos tem essa menina? Cafetão: - Tem 15 anos! Autoridade: - Porra, meu irmão, eu não já falei para você que 15 anos para mim já é puta velha? Eu quero uma menina de no máximo 12 anos!”

E é enfático: “Tem gente que escuta isso e finge que nada aconteceu. Eu não vejo outra forma de atuar”.

Matéria das Jornalistas: Acássia Deliê, do Virajovem e Amanda Proetti.
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